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Manifesto

Um chamado às candidaturas sustentabilistas em 2024

No Brasil, 99% da população já faz a conexão entre os eventos climáticos extremos e, por exemplo, as enchentes no Rio Grande do Sul .Esses eventos são o resultado das mudanças climáticas sobre os ecossistemas, produto direto do modelo de desenvolvimento a humanidade escolheu. As eleições municipais são uma grande oportunidade para brasileiras e brasileiros pisarem no freio deste modelo equivocado e injusto, com força e diretamente no território.

Vejam bem: dos 5570 municípios brasileiros, 23% (1.324) têm até 5 mil habitantes e mais de dois terços deles (69%) têm até 20 mil habitantes – isso quer dizer que as chances das pessoas que vivem nestes territórios conhecerem pessoalmente prefeitos e vereadores é muito grande e a chance de poder cobrar diretamente deles – e de candidaturas a estes cargos – ações concertas para adaptar o município e mitigar as ações das mudanças climáticas nestes territórios é imensa!

Na outra ponta do espectro, 319 municípios abrigam 57% da população brasileira e destes, somente 41 têm mais de 500mil habitantes. Nestes municípios, não é o olho no olho que fará os governantes assumirem suas responsabilidades para com a segurança de seus habitantes, será a força dos números, nas urnas ou nas ruas.

As áreas mais pobres e periféricas são as menos adaptadas e, sempre que inundações, enchentes, tempestades ou outros desastres climáticos acontecem, são elas que enfrentam os piores impactos. Nas cidades brasileiras, poucas políticas públicas ou planos, sejam eles diretores ou territoriais, têm o detalhamento mínimo necessário para mitigar os impactos destes eventos; nas áreas rurais, o abandono é ainda maior.

Além do poder aquisitivo de uma pessoa, que determina por exemplo o nível de resiliência do lugar onde ela mora, uma série de outras características define o quão vulnerável as pessoas são frente as transformações que estão acontecendo no planeta. A crise climática é, portanto, mais um fator de aumento das desigualdades. Nessas condições, a luta por justiça climática, social e ambiental se torna ainda mais urgente.

É nos municípios que as injustiças e desigualdades se tornam mais visíveis, mais evidentes. É lá que manifesta com maior força o impacto dos eventos extremos e da mudança climática. São as casas mais pobres que estão nos locais mais sensíveis a alagamentos e deslizamentos, são corpos negros, indígenas, de mulheres e crianças que a correnteza arrasta.

Os políticos tradicionais não têm trazido este assunto nas suas falas nem nas suas ações. Ao contrário, com miopia, continuam a proferir frases de efeito, palavras vazias de conteúdo destinadas a manter tudo como está – eles no poder, os investimentos de seus amigos seguros e a população rifada à própria sorte.

Esta constatação, no entanto, não deve ser paralisante – devem sim ser um forte motivo para assumirmos o compromisso fundamental com a vida em nosso planeta, começando pelo território à nossa volta, nosso município. É nos municípios que planos, projetos e iniciativas inovadoras, de adaptação e mitigação, têm maior possibilidade de criar raízes e dar certo, graças justamente à possibilidade de engajamento direto da população na sua definição, ajuste à realidade e execução.

São de prefeitas e prefeitos, vereadoras e vereadores a responsabilidade de tomar decisões, construir e fiscalizar a implementação de políticas públicas e obras para a resiliência aos eventos climáticos e em favor da justiça ambiental – assuntos que deveriam estar no centro das discussões das candidaturas municipais comprometidas com o futuro da humanidade.

É nossa responsabilidade, como pessoas comprometidas com um futuro mais justo, de provocar as candidaturas existentes a discutir estes assuntos e colocá-los em prática, quando eleitas. É também nossa responsabilidade oferecer propostas e soluções factíveis para acelerar implementação dos processos de sustentabilidade que salvam vidas, além, é claro, de fazer a nossa parte, em cada momento de nossas vidas.

A nossa ação parte do entendimento que não há justiça climática sem justiça social e sem democracia. A eleição de 2024 chega como um convite para reimaginar as cidades e reinventar a política local. É momento de nos unirmos em busca de soluções inovadoras e sustentabilistas, isto é, soluções que transformam o discurso da sustentabilidade em ações, obstáculos em oportunidades para um crescimento igualitário e respeitoso com o planeta.

A Fundação Rede Brasil Sustentável oferece sua contribuição para este futuro na forma de uma “Agenda Municipal Sustentabilista para 2024” acompanhada de um guia prático para uso de todas as candidaturas socioambientalistas do país, moldando uma agenda política que alia sustentabilismo com ação concreta e eficaz, em prol do desenvolvimento equilibrado, sustentável e resiliente das cidades.

Nossa abordagem é de enfrentamento direto, buscando soluções que atendam às necessidades do presente, ao mesmo tempo em que pavimentam o caminho para o futuro.

Identificamos três áreas críticas, desafios urgentes que demandam ação imediata, pilares fundamentais para o desenvolvimento de políticas municipais para uma sociedade sustentável e inclusiva: a mitigação e adaptação às mudanças climáticas, que inclui ações de adaptação e resiliência local, transição energética e proteção ambiental e justiça climática; a erradicação da pobreza, com ações de expansão e aprimoramento de programas sociais, políticas de equidade racial e de gênero e desenvolvimento econômico inclusivo; e a construção de uma mobilidade urbana sustentável, visando acesso universal, desenvolvimento urbano integrado, e sistemas de transporte limpos e eficientes.

No entanto, conscientes da complexidade dos desafios que nosso país enfrenta, a Agenda vai além, englobando uma variedade de questões vitais, componentes chaves para a criação de municípios que não apenas enfrentem os desafios atuais, mas que também se posicionem como líderes na construção de um futuro próspero e sustentável. São propostas, planos de governo, minutas de projetos de lei, e outras informações de suporte à sustentabilidade.

É fruto do compromisso político da Fundação, refletindo nossa dedicação à promoção de uma transformação sustentabilista em todos os níveis da governança municipal no Brasil. Agora, mais do que isso, esperamos que seja uma ferramenta para o fortalecimento de candidaturas socioambientais e para a construção de núcleos de municípios onde a vida seja mais sustentável.

Queremos inspirar um diálogo nacional que vá além das eleições de 2024, um diálogo que enraíze o sustentabilismo no coração de todas as políticas municipais para o qual convidamos pessoas candidatas, lideranças comunitárias, ativistas, cidadãos e cidadãs a se juntarem a nós neste movimento, para garantir que as próximas eleições sejam um ponto de virada decisivo para o bem-estar de nossas comunidades e para a saúde do nosso planeta.

Mitigação e adaptação às mudanças climáticas

A crise climática é o problema mais urgente no planeta hoje, não apenas por sua escala global e impactos imediatos, mas também pelo seu potencial de desencadear e agravar uma série de outras crises interconectadas. Alterações no clima afetam diretamente a biodiversidade, os recursos hídricos, a produção de alimentos e a saúde humana, criando um efeito cascata que ameaça a estabilidade das sociedades em todo o mundo. As mudanças climáticas exacerbam desigualdades, intensificam conflitos por recursos naturais e podem deslocar milhões de pessoas, desafiando a capacidade de governos e comunidades de se adaptarem a um cenário em rápida transformação.

Entre 2013 e 2022, 4 milhões de pessoas no Brasil foram afetadas diretamente por eventos relacionados às mudanças climáticas, como a redução das chuvas entre o centro e o norte do País e as inundações nas regiões sul e sudeste. Ainda assim, 66% dos municípios brasileiros não estão preparados para enfrentar as mudanças climáticas. 

A experiência de milhões de brasileiros, afetados por eventos extremos como secas e inundações, sublinha a urgência de ação. Neste contexto, a implementação de estratégias locais para reduzir as emissões de carbono e promover a resiliência climática não são apenas vitais, mas um imperativo.

A abordagem dos municípios deve ser holística, abarcando desde a reformulação da produção energética até a adoção de uma economia circular. A crise climática, sendo uma ameaça existencial, exige uma resposta que combine ação local com cooperação global. Os municípios, atuando como agentes de mudança, têm o potencial de liderar pelo exemplo, adotando políticas de mitigação que reduzam a dependência de combustíveis fósseis e promovam a justiça climática.

O sucesso destas iniciativas, contudo, dependem crucialmente da vontade política e da liderança ambiciosa. O compromisso político e financeiro com a ação climática representa um investimento crucial na saúde do planeta e no bem-estar das futuras gerações. Os governos municipais, portanto, têm um papel fundamental na implementação destas estratégias, estando na linha de frente tanto na formulação quanto na execução de políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. 

Adaptação e Resiliência Local: Fortalecer a capacidade dos governos locais para responder a eventos climáticos extremos, com investimentos em infraestrutura resiliente e sistemas de alerta precoce.

Transição Energética: Promover uma mudança para energias renováveis, reduzindo a dependência de combustíveis fósseis e incentivando a economia de baixo carbono.

Proteção Ambiental e Justiça Climática: Garantir os direitos dos povos tradicionais e a preservação dos ecossistemas, além de implementar políticas que abordem a injustiça climática, protegendo as comunidades mais vulneráveis.

Erradicação da Pobreza

A erradicação da pobreza é uma questão urgente que exige políticas públicas eficazes e multifacetadas. Embora programas como o Bolsa Família tenham demonstrado um impacto significativo, retirando 10,7 milhões de pessoas da pobreza em 2023, a realidade persistente é que uma grande parcela da população ainda permanece em condições de vulnerabilidade econômica. Notavelmente, dos 45 milhões de brasileiros que continuam em situação de pobreza, 71% são negros. Isso evidencia uma disparidade racial profunda que precisa ser endereçada com políticas que vão além do assistencialismo.

Essa desigualdade racial na pobreza não é um problema isolado, mas um reflexo de obstáculos estruturais que incluem racismo sistêmico e desigualdades de gênero. As políticas de erradicação da pobreza nos municípios devem, portanto, abordar essas questões de maneira integrada. Isso significa implementar ações afirmativas, políticas de combate ao racismo e de reparação histórica, especialmente voltadas para a população negra. Além disso, é essencial reconhecer e abordar a questão do cuidado, que desproporcionalmente afeta mulheres, e em particular mulheres negras, limitando seu acesso ao mercado de trabalho e perpetuando um ciclo de pobreza.

A responsabilidade dos municípios na luta contra a pobreza é imensa, pois é no âmbito local que as políticas públicas podem ser mais diretamente adaptadas e aplicadas para atender às necessidades específicas das comunidades. Os governos municipais estão em posição privilegiada para identificar e responder às diversas facetas da pobreza, seja implementando programas de geração de renda, oferecendo serviços de educação e saúde de qualidade, ou criando redes de apoio social mais eficazes. A colaboração entre os municípios e a integração de esforços entre diferentes níveis de governo são fundamentais para desenvolver soluções inovadoras e efetivas. Portanto, é essencial que as lideranças políticas municipais assumam um papel ativo e comprometido nessa luta, trabalhando não só para aliviar a pobreza, mas para erradicá-la completamente em suas comunidades.

Expansão e Aprimoramento de Programas Sociais: Implementar e fortalecer iniciativas locais de assistência, assegurando uma cobertura ampla e efetiva, além de oferecer suporte direcionado às famílias mais vulneráveis da comunidade.

Políticas de Equidade Racial e de Gênero: Implementar ações afirmativas e políticas de reparação histórica, além de promover oportunidades de trabalho e cuidado para mulheres, especialmente mulheres negras.

Desenvolvimento Econômico Inclusivo: Promover a criação de empregos e o acesso à educação e capacitação profissional, visando a inclusão social e econômica das comunidades marginalizadas.

Mobilidade Urbana

A necessidade de repensar as políticas públicas de mobilidade urbana nos municípios brasileiros tornou-se um desafio complexo, multifacetado e, principalmente, urgente, quando o objetivo é a construção de um país menos desigual e sustentável. A complexidade é resultado de uma série de fatores interconectados que influenciam a forma como as pessoas se deslocam dentro das cidades.

Nossos municípios experimentaram um crescimento urbano desordenado ao longo das décadas, resultando em bairros periféricos pouco assistidos por transporte público e infraestrutura inadequada para pedestres e ciclistas. Isso cria desafios significativos de acessibilidade e mobilidade para os residentes dessas áreas, fatores que são ainda mais acentuados pelas desigualdades sociais e econômicas dos territórios, uma vez que grupos de baixa renda enfrentam dificuldades adicionais para acessar serviços e oportunidades devido à falta de transporte público acessível e de qualidade.

A poluição do ar e o congestionamento também são resultados das estruturas de mobilidade urbana que temos hoje. Devemos priorizar soluções que incentivem o uso de transporte público, compartilhado, ciclovias e modos de locomoção não motorizados, aliviando assim o congestionamento e promovendo uma melhor qualidade de vida para todos, desempenhando um papel crucial na redução das emissões de carbono e na mitigação das mudanças climáticas.

Acesso Universal: Garantir que o transporte público seja acessível a todas as pessoas, independentemente de sua condição socioeconômica, promovendo a inclusão social e permitindo que mais pessoas participem plenamente da vida urbana.

Desenvolvimento Urbano Integrado: Promover o desenvolvimento urbano sustentável, com foco na criação de bairros mais compactos, diversificados e acessíveis, onde as pessoas possam viver, trabalhar e se locomover com facilidade.

Sistemas de Transporte Limpos e Eficientes: Investir em infra estruturas, veículos e práticas que buscam reduzir ou eliminar os impactos ambientais negativos associados ao transporte urbano.