Especialistas apontam avanços e contradições na COP 28
Rubens Born se diz otimista com os compromissos assumidos, mas critica a falta de metas. Muriel Saragoussi destaca maior participação da sociedade, condena o tempo perdido e alerta para a urgência das mudanças climáticas
Embora a COP 28 tenha finalmente atacado os causadores das mudanças climáticas, com uma sinalização inédita de redução no uso de combustíveis fósseis, os documentos finais da conferência, que representam o compromisso assumido pelos países, são considerados, no mínimo, paradoxais, na visão de especialistas como Rubens Born e Muriel Saragoussi. Ambos identificam contradições na relação entre os desafios de se mitigar as emissões até 2050 e os caminhos para se atingir este objetivo.
Para o professor Rubens Born, doutor em Saúde Pública e Ambiental, que desde 1990 acompanha as negociações multilaterais sobre mudanças climáticas, esta foi a primeira vez que se falou em fazer uma transição energética no sentido de se afastar dos combustíveis fósseis. “Nenhuma outra COP teve uma declaração tão explicita em relação a fazer essa transição energética de forma ordeira e gradual ainda nesta década, o que é muito positivo. Entretanto, é paradoxal porque deixou espaços abertos para a continuidade da exploração de petróleo. A meta de se atingir emissão zero em 2050 contempla como caminhos possíveis a utilização de energia nuclear ou de tecnologias de captura e armazenamento de carbono, o chamado sequestro de carbono, muito utilizado e defendido por empresas exploradoras de petróleo e gás porque com isso elas conseguem ter maior rendimento e eficiência e, portanto, maior lucro na exploração desses recursos. É uma tecnologia que permite continuar atuando numa das principais causas da mudança do clima. Vejo isso como uma das contradições.”
Rubens Born também criticou a falta de definição de metas em relação aos propósitos apresentados pelos países. “O aspecto positivo é que foram feitas declarações de boas intenções, como a redução das emissões de gases de efeito estufa, que não seja o dióxido de carbono, especialmente o gás metano, até 2030, mas o lado negativo é que não foram estipuladas as metas de quanto será esta redução.”
Sociedade mobilizada
Para a ambientalista Muriel Saragoussi, engenheira agrônoma e doutora em Fisiologia Vegetal e Melhoramento de Plantas, a COP 28 em Dubai revelou a existência de uma grande mobilização da sociedade em relação às mudanças do clima, mas que é preciso que estas ações sejam refletidas nas decisões tomadas em consenso pelos governos.
“Precisamos fazer com que os países conversem internamente, envolvendo governo e sociedade nas ações de combate, adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Necessário também que se trabalhem as redes internacionais e que pressionem o conjunto dos governos a entenderem o senso de urgência que a COP colocou na mesa mas não na prática. A sociedade civil do mundo inteiro já despertou para essas causas. Alguns governos despertaram da boca pra fora. Poucos estão realmente fazendo a diferença, saindo daquela posição de retranca para dar a cara e dizer ‘nós vamos fazer’. Precisamos não só de uma sociedade consciente, mas de governos conscientes.”
Contradições
Sobre o papel do Brasil na COP 28, Rubens Born elogiou o empenho do governo nas negociações multilaterais, mas teceu críticas em relação à política de incentivo à exploração de petróleo, que vai na contramão dos esforços empenhados para reduzir as emissões resultantes do desmatamento, responsável por uma parcela importante das emissões brasileiras.
“O Brasil, especialmente neste ano, tem feito um grande esforço para diminuir as emissões por conta do desmatamento. Mas apesar do empenho dos nossos negociadores, especialmente o Itamaraty, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério dos Povos Indígenas, o Brasil ficou com uma ‘cara suja’ nesta COP porque no dia da abertura do evento mundial do clima, o Ministério das Minas e Energia anunciou que o Brasil entraria na OPEP como observador e, no dia seguinte ao fim da COP, a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) faz um leilão de vários blocos para a exploração de petróleo. Portanto, o Brasil continua apostando em combustíveis fósseis e se juntando aos países mais poluidores do mundo, o que é um paradoxo em relação ao que apresentou na COP 28, em Dubai.”
Muriel Saragoussi compartilha da mesma opinião e alerta que os países já perderam tempo demais nesta luta. “A urgência climática está aí, é para hoje! Era para ontem, mas não foi feito ontem, então tem que ser feito hoje ou não teremos amanhã.”
Ela afirmou que o compromisso de redução dos combustíveis fósseis e de transição energética justa assumidos pelos países na COP 28 são fundamentais para garantir uma declaração mais forte e efetiva nas próximas conferências mundiais do clima, incluindo a COP 30, que será realizada no Brasil, em 2025. “O fim do uso dos combustíveis fósseis é uma questão de sobrevivência da humanidade.”Rubens Born é autor da publicação “As negociações multilaterais sobre mudanças do clima” e Muriel Saragoussi escreveu “O que esperar da COP28?”. Ambos os documentos estão disponíveis para downloads gratuitos no site da Fundação Rede Brasil Sustentável (www.redebrasilsustentável.org.br ).